Está na pauta do Supremo Tribunal Federal uma ação que discute sobre a constitucionalidade da apreensão de passaporte ou da Carteira Nacional de Habilitação como meio para garantir o pagamento de dívida.
Desde 2017 esta discussão toma parte nas Cortes Superiores. Mais recentemente, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou a favor da possibilidade da retenção dos ditos documentos de pessoas em condição de inadimplência, desde que esgotados os meios típicos de cobrança de crédito, mediante decisão fundamentada. Em decisões anteriores, o STJ considerou que a apreensão do passaporte é ilegal, no entanto, o mesmo não ocorreu com a CNH, pois entendeu-se que sua retenção não configuraria limitação ao direito de locomoção, considerando que o devedor não ficaria impedido de ir e vir de outras formas.
Nesta senda, o Código de Processo Civil, em seu artigo 139, inciso IV, atribuiu ao magistrado a prerrogativa de “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”. No entanto, antes que se proceda para tais meios executivos atípicos, é dever do juiz se atentar para a condição que o devedor possui de cumprir a obrigação, bem como para o esgotamento dos meios típicos de previstos pela lei para sanar o débito, uma vez que tais medidas excepcionais só devem ser aplicadas de forma subsidiária.
Assim sendo, caso a Corte Suprema venha a julgar em favor da apreensão do passaporte ou da CNH como forma legítima de pressionar o devedor a buscar sanar o inadimplemento ao qual está submetido, seria tal medida mais um episódio no qual o Poder Judiciário procura restringir direitos básicos dos cidadãos? Impedir alguém de dirigir é uma medida cabível e razoável para buscar a execução de dívidas, a qual deve sempre tramitar da forma menos onerosa ao devedor? A mera inadimplência, ainda que esgotados os demais meios típicos de cobrança de crédito, não poderia e nem deveria ensejar em tamanha privação de liberdade como a restrição ao direito de dirigir de um cidadão e à sua autonomia de locomoção.
Relatora do recurso impetrado perante 3ª Turma do STJ, mencionado anteriormente, a Ministra Nancy Adrighi, em seu voto, sustentou que “não se nega, no entanto, que, em certas ocasiões, a adoção de coerção indireta ao pagamento voluntário possa se mostrar desarrazoada ou desproporcional, sendo passível, nessas situações, de configurar medida comparável à punitiva. A ocorrência dessas situações, deve ser, contudo, examinada caso a caso, e não aprioristicamente, por se tratar de hipótese excepcional que foge à regra de legalidade de boa-fé objetiva estabelecida pelo CPC/15”.
Com razão, a Ministra coloca que a determinação de medidas coercitivas pode se mostrar desproporcional ao ponto de se tornar comparável à uma punição. Com isso, pode-se concluir que, caso o STF entenda pela constitucionalidade da apreensão da Carteira Nacional de Habilitação como forma de acelerar o pagamento de uma dívida, a Corte estará dando permissão para mais uma transgressão de direitos básicos da população, neste caso o de locomoção.
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