UFPR deve indenizar candidatos pela suspensão das provas do Concurso da PCPR

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As provas do Concurso da Polícia Civil do Estado do Paraná, previstas para terem sido aplicadas em 21/02/2021, foram inesperadamente suspensas e adiadas, na madrugada do dia de aplicação da prova, pela banca organizadora, o Núcleo de Concursos da Universidade Federal do Paraná.

Diante deste cenário, centenas de milhares de candidatos se viram com um elevado prejuízo decorrente de passagens aéreas, de ônibus, gastos com combustível e reservas de hoteis. O domingo em Curitiba foi repleto de pessoas de diversas localidades do país, que tentaram de alguma maneira aproveitar o trágico acontecimento para, pelo menos, conhecer a cidade.

Mas e os referidos prejuízos suportados pelos candidatos? Qual é a responsabilidade dos órgãos e instituições envolvidos no ressarcimento destes danos?

Entenda o caso

Mais de 100.000 pessoas inscritas no Concurso da Polícia Civil do Paraná (PCPR) foram surpreendidas na madrugada do último domingo (21/02) com a notícia da suspensão da prova poucas horas antes do momento marcado para sua realização. Destinado a contratar delegados, investigadores e papiloscopistas, o concurso contava com a inscrição de pessoas de todos as regiões do país e estava marcada para começar as 13h30m, porém foi suspensa por meio de nota, as 5h42m da madrugada do mesmo dia.

Segundo a nota publicada pelo Núcleo de Concursos da Universidade Federal do Paraná (NC-UFPR) a suspensão se deu em razão de terem sido identificados, em uma última verificação, o não preenchimento de alguns requisitos de segurança sanitária nos locais de prova: termômetros sem baterias, falta de condições mínimas em determinados locais da prova, o que poderia comprometer a validade do certame, e por fim, a desistência de alguns aplicadores de provas.

Por outro lado, a Polícia Civil também se manifestou publicamente através de nota em suas redes sociais, dizendo-se surpreendida com a decisão da UFPR de suspender a realização das provas. Além disso, afirma que enviou um ofício a banca realizadora cobrando os reais motivos que deram ensejo a tal decisão, visto que desde o início ao órgão policial era assegurada a plena viabilidade da aplicação das provas. Entretanto, chama a atenção a nota, uma vez que as decisões sobre o andamento da prova vinham sendo tomadas em conjunto pela instituição policial e pela banca examinadora até então.

Ainda houve, também na mesma manhã, manifestação do Governo do Estado do Paraná afirmando a abertura de processo administrativo contra a NC-UFPR, por quebra de contrato. Segundo a nota publicada pelo Governo, a banca contratada decidiu de forma unilateral pela suspensão das provas, sem prévia notificação, e que, além da indenização nos limites estipulados pela Lei n. 8.666/93, o referido processo poderia acarretar o impedimento da banca contratar por dois anos com o Governo do Estado.

O contrato entre o governo e o NC-UFPR para a realização do respectivo concurso foi firmado em março de 2020, sendo que as provas seriam realizadas inicialmente em julho do mesmo ano, mas foram adiadas em decorrência da pandemia.

Ocorre que nas últimas semanas órgãos como o Ministério Público do Trabalho, Defensoria Pública da União e do Estado já vinham pedido a suspensão da prova marcada para este último domingo. Porém, a banca afirmou que todas as medidas de biossegurança estavam sendo tomadas e que a prova seria mantida. Além disso, liminares que solicitavam a suspensão da prova já tinham sido indeferidas anteriormente.

Cabe indenização aos candidatos prejudicados?

Diante de todo este cenário, da sucessão de equívocos cometidos e das diversas declarações realizadas pelos envolvidos, a questão que fica é: como ficaria a situação das milhares de pessoas lesadas materialmente com o ocorrido?

Afinal, diversas pessoas das mais diferentes regiões do país tiveram prejuízos variados, com transporte, hospedagem, alimentação entre outros. Assim, ainda que se possa discutir o prejuízo de cunho moral de todo este transtorno, o dano material parece ser incontroverso para diversas pessoas.

Neste sentido, destaca-se a responsabilidade civil objetiva do NC-UFPR, visto que este estava desempenhando um serviço público através do contrato firmado com a administração pública. Portanto, aplica-se o estabelecido no art. 37, §6º, da Constituição Federal:

Art. 37 (…) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Considerando as circunstâncias em que ocorreu a suspensão do concurso público, é evidente o dano! Há, no caso, a presença de todos os elementos necessários para a caracterização da responsabilidade civil: o fato (suspensão do concurso), o dano (gastos suportados pelos candidatos) e o nexo causal, ou seja, a relação de causa e efeito entre o fato e o dano, que é facilmente constatável neste caso. Além disso, há a presença da pessoa jurídica de direito público – a UFPR, uma autarquia federal – responsável pelo ocorrido, por meio da atuação de sua unidade vinculada, o NC/UFPR.

Além da responsabilidade da banca organizadora do certame, cogita-se como se configuraria a figura do Estado nestes casos. Sobre o tema, interessante trazer a tese fixada no RE 662405, de Relatoria do Ministro Luiz Fux, nos seguintes termos:

O Estado responde subsidiariamente por danos materiais causados a candidatos em concurso público organizado por pessoa jurídica de direito privado (art. 37, § 6º, da CRFB/88), quando os exames são cancelados por indícios de fraude. STF. Plenário. RE 662405, Rel. Luiz Fux, julgado em 29/06/2020 (Repercussão Geral – Tema 512)

Muito embora o caso acima tenha abordado um caso em que a banca organizadora era uma pessoa jurídica de direito privado e que o cancelamento se deu por indícios de fraude, é fato que a responsabilidade do Estado também surge quando a banca organizadora faz parte da administração indireta. Segundo a tese, portanto, a responsabilidade do Estado é subsidiária.

A doutrina também sustenta o entendimento acima, reconhecendo não fazer sentido afastar, nestes casos, a responsabilidade subsidiária do Estado quando o causador do dano também exercer atividade pública e fazer parte da administração pública:

Ademais, para fins de responsabilidade subsidiária do Estado, incluem-se, também, as demais pessoas jurídicas de Direito Público auxiliares do Estado (…). Isto porque não faria sentido que o Estado se esquivasse a responder subsidiariamente – ou seja, depois de exaustas as forças da pessoa alheia à sua intimidade estrutural – se a atividade lesiva só foi possível porque o Estado lhe colocou em mãos o desempenho da atividade exclusivamente pública geradora do dano.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 32ª edição. 2015. Malheiro Editores. p. 1.037).

É evidente que as condições em que ocorreu a suspensão da aplicação das provas do concurso público da Polícia Civil do Paraná lesou milhares de pessoas, tudo em razão de uma suposta conduta, no mínimo, negligente. Isto porque, conforme relatado anteriormente, a banca afirmou que as medidas de biosegurança estavam sendo tomadas e que a prova seria mantida, mesmo frente a diversos órgãos e entidades se manifestando pelo adiamento.

Neste sentido, foi contrariado, inclusive, o próprio edital do concurso publicado pela banca organizadora, que afirmava no item 23.6, que qualquer necessidade de alteração decorrente da pandemia deveria ter sido informada aos candidatos com 72 (setenta e duas) horas de antecedência mínima.

Desse modo, torna-se claro que os candidatos foram lesados por ato ilícito decorrente de instituição contratada pelo estado para a execução do contrato, conforme preceitua o artigo 70 da Lei n. 8.666/93:

Art. 70.  O contratado é responsável pelos danos causados diretamente à Administração ou a terceiros, decorrentes de sua culpa ou dolo na execução do contrato, não excluindo ou reduzindo essa responsabilidade a fiscalização ou o acompanhamento pelo órgão interessado.

Portanto, resta mais do que demonstrada a responsabilidade objetiva da banca organizadora de, por meio da pessoa jurídica de direito público a qual está vinculada – a UFPR – indenizar todos aqueles que tiveram prejuízos de ordem material, pela suspensão do certame poucas horas antes de sua realização. Assim, ainda que o concurso seja realizado posteriormente, isto não elimina o ato ilícito ocorrido, devendo todos aqueles que se sentiram lesados pleitear a respectiva reparação pelos danos materiais sofridos.

Por fim, o Felipeto & Corveto presta votos de solidariedade a todos aqueles prejudicados com o episódio. Ressalta, ainda, que a equipe está disposta a prestar esclarecimentos para aqueles que possuírem dúvidas sobre o tema.

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João Paulo Araujo Laurindo

Acadêmico de direito no Felipeto & Corveto.
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Rennan Felipeto

Advogado e sócio-fundador do Felipeto & Corveto | felipeto@felipetoecorveto.adv.br

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